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VACINAS E SOROS


  COMO COMEÇOU ?

No final do século XIX, a descoberta dos agentes causadores de doenças infecciosas representou um passo fundamental no avanço da medicina experimental, através do desenvolvimento de métodos de diagnóstico e tratamento de doenças como a difteria, tétano e cólera.

Um dos principais aspectos desse avanço foi o desenvolvimento da soroterapia, que consiste na aplicação de um soro formado por um concentrado de anticorpos no paciente. A soroterapia tem a finalidade de combater uma doença específica (no caso de moléstias infecciosas), ou um agente tóxico específico (venenos ou toxinas).
O Dr. Vital Brazil mineiro da Campanha, médico sanitarista, residindo em Botucatu, consciente do grande número de acidentes com serpentes peçonhentas no Estado, passou a realizar experimentos com os venenos ofídicos. Baseando-se nos primeiros trabalhos com soroterapia realizados pelo francês Albert Calmette, desenvolveu estudos sobre soros contra o veneno de serpentes, descobrindo a sua especificidade, ou seja, cada tipo de veneno ofídico requer um soro específico, preparado com o veneno do mesmo gênero de serpente que causou o acidente.
Já em São Paulo, Vital Brazil identificou um surto de peste bubônica na cidade de Santos em 1899. Iniciou, então, em condições precárias, o preparo de soro contra essa doença em instalações da fazenda Butantan.

Essa produção iniciou-se oficialmente em 1901, dando origem ao Instituto Serumtheráphico de Butantan, nome original do Instituto Butantan. Controlada a peste, o Dr. Vital Brazil deu prosseguimento à preparação de soros antiofídicos nesse Instituto, para atender ao grande número de acidentes com serpentes peçonhentas, já que o Brasil era um país com grande população rural, na época, além de iniciar a produção de vacinas e outros produtos para a Saúde Pública.

 

Vacinas e Soros

Soros & vacinas são produtos de origem biológica (chamados imunobiológicos) usados na prevenção e tratamento de doenças. A diferença entre esses dois produtos está no fato dos soros já conterem os anticorpos necessários para combater uma determinada doença ou intoxicação, enquanto que as vacinas contém agentes infecciosos incapazes de provocar a doença (a vacina é inócua), mas que induzem o sistema imunológico da pessoa a produzir anticorpos, evitando a contração da doença.

As vacinas contém agentes infecciosos inativados ou seus produtos, que induzem a produção de anticorpos pelo próprio organismo da pessoa vacinada, evitando a contração de uma doença. Isso se dá através de um mecanismo orgânico chamado "memória celular". As vacinas diferem dos soros também no processo de produção, sendo feitas a partir de microorganismos inativados ou de suas toxinas, em um processo que de maneira geral, envolve: fermentação, detoxificação e cromatografia.   

Entre as vacinas produzidas pelo Instituto, estão: Toxóide Tetânico: para prevenção do tétano. A produção de toxóide tetânico pelo Instituto Butantan chega a 1 50 milhões de doses por ano, atendendo a demanda nacional. O toxóide também serve para produzir as vacinas dupla (dTeDT) e tríplice (DTP). Vacina dupla (dT):  para prevenção da difteria e tétano em indivíduos acima dos 1 1 anos. Vacina dupla (DT): para prevenção da difteria e tétano em crianças até 6 anos e 1 1 meses. Vacina tríplice (DTP): para prevenção da difteria, tétano e coqueluche. Esta vacina é obtida a partir de uma bactéria morta, o que constitui uma dificuldade em sua produção, pois a bactéria deve estar em um determinado estágio de crescimento, que garanta à vacina, ao mesmo tempo, potência e baixa toxicidade.

BCG íntradérmico: para prevenção da tuberculose. O Instituto Butantan produz cerca de 500 mil doses de BCG por ano. Com novas técnicas de envase e liofilização, a produção deve ser aumentada em 50%. ( Contra a raiva uso humano): para prevenção da raiva. Utilizando o cérebro de camundongos são produzidas pelo Instituto cerca de 500 mil doses de vacina anti-rábica por ano. Essa forma de produção deverá ser substituída pela cultura de células em bioreatores.

Portanto, o soro é curativo, enquanto que a vacina é, essencialmente, preventiva. Em 1984 foi lançado o Programa de Auto-Suficiência Nacional em lmunobiológico, para atender à demanda nacional por esses produtos e tentar eliminar a necessidade de importação. Para tanto, foram realizados investimentos em instalações e equipamentos para os laboratórios, contando com a colaboração do Ministério da Saúde. No Instituto Butantan, além do investimento na produção, percebeu-se a importância do investimento em pesquisas & desenvolvimento, e criou-se o Centro de Biotecnologia, visando o desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de soros e vacinas e de novos produtos. Toda a produção de imunobiológicos (o Instituto Butantan produz cerca de 80% dos soros e vacinas utilizados hoje no País) é enviada ao Ministério da Saúde, e por ele redistribuída às secretarias de Saúde dos Estados.

Em sua tradição pioneira voltada à Saúde Pública, o Instituto Butantan seque realizando pesquisas para a produção de novas vacinas. Está em desenvolvimento uma vacina contra meningite A, B e C, uma nova vacina contra coqueluche, uma vacina oral contra o cólera, além de uma vacina dupla viral contra a rubéola e o sarampo. 

Também estão sendo realizadas pesquisas com a utilização de engenharia genética, assim como foi feito com a vacina contra hepatite, desta vez para o desenvolvimento de vacinas contra a dengue e esquistossomose (em conjunto com a FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro). O Instituto Butantan desenvolveu a primeira vacina reconbinante no Brasil (utilizando técnicas de engenharia genética) contra a Hepatite B, com capacidade de produção de 1 O milhões de doses por ano. Há uma previsão de aumento dessa produção para suprir a demanda nacional, bem como a perspectiva de combiná-la com a vacina tríplice.

O Instituto Butantan produz vacinas que servem para prevenção do tétano, difteria, coqueluche, tuberculose, raiva e influenza. Além de vacinas, o Butantan fabrica soros específicos usados no tratamento de doenças como a difteria, tétano e botulismo e também para casos de envenenamento por animais peçonhentos.

Os soros, ao invés de induzir a formação de anticorpos no organismo, já contêm anticorpos previamente produzidos.
O Ministério da Saúde mantém soros disponíveis em todo território nacional e a produção de um milhão de ampolas de soro atende também as necessidades dos demais países do continente.

 

Os cavalos utilizados têm um período de descanso após cada imunização e seu tempo médio de vida é de 15 anos.

Na produção de soros antipeçonhentos específicos são usados venenos extraídos dos maiores causadores desse tipo de acidente: serpentes, aranhas e escorpiões.

Cada veneno é tratado adequadamente e inoculado em cavalos que, pela facilidade de trato por responderem bem ao estímulo da peçonha e pelo seu grande porte, favorecem a produção de um grande volume de sangue rico em anticorpos.

Os soros são utilizados para tratar intoxicações provocadas pelo veneno de animais peçonhentos ou por toxinas de agentes infecciosos, como os causadores da difteria, botulismo e tétano. A primeira etapa da produção de soros antipeçonhentos é a extração do veneno - também chamado peçonha - de animais como serpentes, escorpiões, aranhas e taturanas. Após a extração, a peçonha é submetida a um processo chamado liofilização, que desidrata e cristaliza o veneno. A produção do soro obedece às seguintes etapas:

1 - O veneno liofilizado (antígeno) é diluído e injetado no cavalo, em doses de concentração crescente. Esse processo leva 40 dias e é chamado hiperimunização.
2 - Após a hiperimunização, é realizada uma sangria exploratória, retirando uma amostra de sangue para medir o nível de anticorpos produzidos em resposta às injeções do antígeno.
3 - Quando o teor de anticorpos atinge o nível desejado, é realizada a sangria final, retirando-se cerca de quinze litros de sangue de um cavalo de 500 Kg em duas etapas, com um intervalo de 48 horas.
4 - No plasma (parte líquida do sangue) são encontrados os anticorpos. O soro é obtido a partir da purificação e concentração desse plasma.
5 - As hemácias (que formam a parte vermelha do sangue) são devolvidas ao animal, através de uma técnica desenvolvida no Instituto Butantan, chamada plasmaferese. Essa técnica de reposição reduz os efeitos colaterais provocados pela sangria do animal.
6 - No final do processo, o soro obtido é submetido a testes de controle de qualidade:

Atividade biológica - para verificação da quantidade de anticorpos produzidos;
Esterilidade - para a detecção de eventuais contaminações durante a produção;
Inocuidade - teste de segurança para o uso humano;
Piroxênio - para detectar a presença dessa substância, que provoca alterações de temperatura nos pacientes e testes físico-químicos

A hiperimunização para a obtenção do soro é realizada em cavalos desde o começo do século porque são animais de grande porte. Assim, produzem uma volumosa quantidade de plasma com anticorpos para o processamento industrial de soro para atender à demanda nacional, sem que eles sejam prejudicados no processo. Há um acompanhamento médico-veterinário destes cavalos, além de receberem uma alimentação ricamente balanceada. O processamento do plasma para obtenção do soro é realizado em um sistema fechado, inteiriçamente desenvolvido pelo Instituto Butantan, atendendo ás exigências de controle de qualidade e bio-segurança da Organização Mundial de Saúde, atingindo a produção, de 600 mil ampolas de soros por ano.


Alguns Soros produzidos pelo Instituto Butantan são:



Antibotrópico - 
para acidentes com jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, cotiara.
Anticrotálico -  para acidentes com cascavel.
Antilaquético - para acidentes com surucucu.
Antielapídico  - para acidentes com coral.
 Antibotrópico - laguético  - para acidentes com jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, cotiara ou surucucu.
Antiaracnidico - para acidentes com aranhas do gênero Phoneutria (armadeira), Loxosceles (aranha marrom) e  escorpiões brasileiros do gênero Tityus.
Antiescorpiónico - para acidentes com escorpiões brasileiros do gêneroTityus.
Anilonomia - para acidentes com taturanas do gênero Lonomia.

 Além dos soros antipeçonhentos, o Instituto Butantan também produz soros para o tratamento de infecções e prevenção de rejeição de órgãos. A maior parte desses soros é obtida pelo mesmo processo dos soros antipeçonhentos. A única diferença está no tipo de substância injetada no animal para induzir a formação de anticorpos. No caso dos soros contra difteria, botulismo e tétano, é usado o toxóide preparado com materiais das próprias bactérias. Para a produção do anti-rábico, é usado o vírus rábico inativado.

OUTROS SOROS

Anti-tetânico - para o tratamento do tétano.
Anfi-rábico - para o tratamento da raiva.
Antifidiftérico - para tratamento da difteria.
Anti-botulínico "A" - para tratamento do botulismo do tipo A.
Anti-botulínico "B" - para tratamento do botulismo do tipo B. 
Anti-botulínico "ABE" - para tratamento de botulismo dos tipos A B e E.
 
Anti-timocitário - o soro antitimocitário é usado para reduzir as possibilidades de rejeição de certos órgãos transplantados. 

O Instituto Butantan produz dois tipos desse soro: o de origem eqüina e o monoclonal. O primeiro tipo é obtido através da hiperimunização de cavalos com células obtidas do timo humano (glândula localizada no pescoço) e, em seguida, sds purificado.

O segundo tipo é produzido a partir de células obtidas em equipamentos especiais chamados bioreatores. Como resultado de estudos na área, estão sendo desenvolvidas novas formas de utilização dos soros, aumentando o seu potencial de utilização, seja através da obtenção de graus mais elevados de purificação, da redução de custos ou do aumento do prazo de armazenamento, como os produtos liofilizados. Soros Anti-peçonhentos Liofilizados estão sendo disponibilizados a partir de Junho/2000.

Uma pequena parcela de indivíduos tratados com os soros de origem eqüina torna-se hipersensível a certos componentes desses soros. Para esses casos, o Butantan vem estudando a possibilidade de produção de alguns soros a partir de sangue humano, como o anti-rábico e o anti- tetânico, que também pode ser obtido a partir de mães que foram vacinadas contra o tétano (visando o controle profilático dessa doença em recém-nascidos) já que elas concentram os anti-corpos na própria placenta.

 

BIOFÁRMACOS

Além dos soros & vacinas, o Instituto Butantan continua investindo em novos produtos para a Saúde Pública. Entre estes produtos estão os biofármacos que são medicamentos biológicos para uso humano. Como a maioria da população não tem condições de pagar o valor extremamente alto destes medicamentos importados, o Instituto Butantan, inicia também a produção de biofármacos para que o Ministério da Saúde possa distribuir às unidades de saúde em todo o Brasil para uso gratuito.
Dois exemplos de grande função social são: Eritropoetina - medicamento necessário para pacientes renais que permanecem na vila de espera aguardando o transplante de rim.
Surfacteante S
- medicamento para bebês prematuros que nascem com pulmões ainda não totalmente desenvolvidos por falta desta substância. Na maioria dos casos em que os pais não têm recursos para pagar o produto importado, estes bebês acabam falecendo. Hoje, isto representa cerca de 25 mil casos.
A produção do surfactante pulmonar para bebês prematuros foi viabilizada por meio de uma parceria do Instituto Butantan com a FAPESP  - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e a Sadia. Com alto controle de qualidade aprovado pela Organização Mundial da Saúde, observando os princípio de bio-segurança e bioética, o Instituto Butantan se aproxima de seu centenário cumprindo sua função social na tríplice atividade de pesquisa científica, desenvolvimento & produção de imunobiológicos e educação aplicados à Saúde Pública. Assim, valoriza seu passado e caminha em direção ao futuro.

 

:: Notícias ::



 Instituto Butantan vai começar a produzir soro antiofídico em pó
 Forma desidratada dispensa a refrigeração

 GABRIELA SCHEINBERG

 O Instituto Butantan de São Paulo anunciou ontem a produção de soro antiofídico (contra veneno de serpentes) em pó. O instituto estima que, no futuro, entre 25% e 30% da produção nacional será nessa nova forma. "O soro em pó tem uma estabilidade maior", disse Hisako Gondo Higashi, diretora do instituto.
"O soro líquido precisa ser mantido em temperaturas muito baixas, de 4C a 8C, o que dificulta o seu transporte, principalmente em regiões mais quentes, como no Norte e no Nordeste do país."

Higashi informou que outros países já têm esse produto em pó. Mas essa é a primeira vez que o soro está sendo produzido nessa forma no Brasil. "Nós começamos a investir no soro em pó depois de atender a demanda nacional do soro, de 400 mil ampolas", disse Higashi. "Antes, não tínhamos tempo livre para investir na tecnologia."
A produção do soro em pó é mais complicada do que a versão líquida, pois precisa percorrer uma etapa a mais. Depois de obter o líquido, o material passa pelo processo de liofilização, no qual a água é retirada em condições de temperatura baixa e pressão reduzida, restando somente a substância ativa em pó.
Quando o soro precisa ser usado, o pó é então diluído em água e administrado no paciente.

O volume de soro que precisa ser usado depende da quantidade de veneno presente na pessoa.
"O pó, além de facilitar o transporte, tem uma validade maior", disse Higashi. Enquanto o soro líquido dura três anos, o pó tem uma validade de cinco anos. Por ser um produto cujo uso varia regionalmente, conforme os tipos de serpente existentes, Higashi afirmou que o instituto não pretende exportar o soro antiofídico em pó.

Fonte: Folha de São Paulo - 06 de Junho de 2000


Falta de verba causa atraso na pesquisa

Os testes da vacina contra esquistossomose deveriam ter começado no ano passado no Brasil, mas um impasse no repasse de recursos atrasou o projeto.
Segundo Isaias Raw, presidente do Instituto Butantan, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa), órgão do governo do Estado de São Paulo, se negou a custear o projeto no ano passado porque a patente da vacina foi registrada pela Fiocruz, vinculada ao governo federal. "Para que recebêssemos os recursos, a Fapesp exigiu que a produção da vacina fosse realizada pelo Instituto Butantan, que é ligado ao governo do Estado", afirma Raw. Por causa disso, o Butantan -que auxiliou na purificação da proteína e passou a produzi-la em pequena escala para testes de laboratório da Fiocruz- fechou um convênio com a Fiocruz para que pudesse produzi-la em maior escala aqui em São Paulo, e assim, poderia passar a receber os recursos da Fapesp.
De acordo com Raw, serão necessários R$ 600 mil para a construção de um laboratório específico para que essa produção seja realizada nas condições e práticas de manufatura exigidas pela legislação.
Parte desses R$ 600 mil, diz Raw, devem ser custeados pela Fapesp. O restante será subsidiado pela Fundação Butantan. O departamento de comunicação da Fapesp informou que o projeto está em análise em sua diretoria científica.

Austrália
Outra vertente do projeto da Fiocruz estuda a proteína Sm14 também contra uma doença que atinge gado, a fasciolose, responsável por uma perda anual de US$ 3 bilhões no mundo da pecuária. Para esse estudo, a Fiocruz fechou convênio com o governo australiano, que custeia testes em carneiros australianos.

Fonte: Folha de São Paulo - 29 de Fevereiro de 2000



 Vacinação: O papel da Auto-Suficiência

 ISAIAS RAW

 Transcorreu, com sucesso, mais um dia anual de vacinação, idéia inventada no Brasil e imitada em muitos países. O resultado se deve à organização e ao fornecimento das vacinas pelo Ministério da Saúde e a uma iniciativa de 15 anos: o Programa Nacional de Auto-Suficiência em Imunobiológicos.

Esse programa surgiu quando se constatou que os soros contra animais venenosos produzidos no Brasil por laboratórios públicos e algumas empresas privadas era inadequado e não poderia ser substituído por importação. Descartando os soros impróprios para uso, a produção do Instituto Butantan, que mantinha 2.000 cavalos, caiu para apenas 32 mil ampolas/ano (o tratamento exige de quatro a dez ampolas). Para enfrentar a emergência, o ministério financiou a construção de novas plantas de produção.

O Butantan decidiu investir em inovação tecnológica, implantando uma das mais modernas e maiores fábricas de soros, que produz 180 mil ampolas por ano, com apenas 200 cavalos, além de quase 60 milhões de doses de vacina. A vacinação de 1999 foi totalmente coberta com a vacina tríplice do Butantan, hoje considerada uma das melhores do mundo. Além de 16,5 milhões de doses da vacina tríplice (difteria, tétano e coqueluche), produzimos 34 milhões de doses da vacina tétano-difteria para os idosos. Estamos fornecendo boa parte da vacina contra tuberculose (BCG) e raiva, além dos primeiros 5 milhões de doses contra hepatite B. Essa vacina era vendida a US$ 8, o que tornava impossível a imunização de crianças. O Brasil tem cerca de 4 milhões de pacientes com hepatite B. Muitos, depois de dispendiosa hospitalização, vão morrer por falência ou câncer de fígado.

Para erradicar a doença temos que vacinar, além de recém-nascidos, com três doses, 60 milhões de jovens e adultos. Esse projeto está sendo viabilizado com a vacina fornecida a US$ 0,55. Há cinco anos, numa reunião em Kyoto, um representante de uma grande produtora de vacinas perguntou por que o Terceiro Mundo deveria produzi-las. Lembrei que décadas antes Foster Dulles havia no mesmo local perguntado por que o Japão pretendia produzir automóveis quando a indústria norte-americana poderia fornecê-los melhores e mais baratos! A vacinação de 1999 foi totalmente coberta com a vacina tríplice do Butantan Numa combinação de benemerência, tática de negócios e tentativa de criar monopólio, algumas empresas se dispuseram a fornecer vacinas para os países menos desenvolvidos a preço especial. A vacina tríplice, vendida nos EUA a US$ 8, passou a ser fornecida a US$ 0,07. Mas as empresas já estão recuando, deixando os países pobres em situação difícil.

O Instituto Butantan tem fornecido ao ministério não ao preço internacional, mas a preço aproximado do "subsidiado". O impacto do programa não pode ser medido pela simples substituição de importações e criação de empregos. Há o desenvolvimento de competência tecnológica, que não ocorre nas bancadas de laboratórios, mas na produção de fato. Hoje o Butantan dispõe do maior laboratório de desenvolvimento de biotecnologia para a saúde, com 27 doutores e experiência comprovada em criar e implantar novas tecnologias. Associados ao Instituto Adolfo Lutz e à Fiocruz, estamos completando o desenvolvimento de uma nova vacina contra a meningite BC (a existente não vacina crianças de menos de 4 anos, as mais sujeitas à doença). Colaboramos também com a Fiocruz no desenvolvimento da vacina contra a esquistossomose.

O Butantan lançará até 2001 a vacina quádrupla (DPT-hepatite B) e se associará à Fiocruz para produzir a vacina pêntupla (tríplice-hepatite B-hemófilos B). Também lança em breve a nova vacina contra raiva e no próximo ano inicia a produção da vacina contra influenza, um tipo de gripe (que, apesar de não eliminar a doença, evita internações custosas e a morte de idosos). Só essa iniciativa reduzirá o custo da vacina dos idosos à metade. Em 2000 o Butantan passa a exportador de soros e vacinas. Com a experiência acumulada produziremos, a preços muito menores do que os do mercado internacional, o surfatante pulmonar (que pode salvar milhares de prematuros), a eritropoietina (essencial para pacientes renais aguardando transplante) e a toxina botulínica (usada em estrabismo e para eliminar contraturas), que se somam ao soro antibotúlico e aos soros que combatem a rejeição de transplantes. Basta comparar o orçamento do setor de produção do Butantan (R$ 2 milhões e 180 funcionários da divisão de produção, menos do que quando nada produzíamos) com o valor do produto -ridículo em relação ao do mercado, que neste ano chegará a R$ 14 milhões-, mais a geração de uma centena de empregos diretos (pagos pelo fornecimento de soros e vacinas), para verificar que não há subsídio público. Bem ao contrário, parte desses recursos retorna ao Butantan, permitindo desde manutenção até financiamento de contrapartida para pesquisas científicas básicas e atividades culturais, recuperando o prestígio deste instituto, que chega ao centenário.

Como Roberto Campos citou na Folha, "não é função do governo fazer um pouco pior ou melhor o que outros podem fazer, e sim fazer o que ninguém pode (ou quer) fazer" (lorde Keynes).

Isaias Raw, 72, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Fundação Butantan. Foi diretor do Instituto Butantan (1991-97) e professor visitante do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (1971-73) e da Universidade Harvard (1973-74).

Fonte: Folha de São Paulo - 19 de Outubro de 1999



 Produção nacional de vacinas cresce com troca de tecnologia

 País produziu, em 98, 65% de sua demanda, contra 37% em 97

 Cada vez mais o brasileiro toma vacinas produzidas no próprio país. Por conta do avanço nos institutos de pesquisa e da transferência de tecnologia, o Brasil caminha rapidamente para a auto-suficiência na produção de vacinas. O Instituto Butantan, de São Paulo, um dos principais responsáveis pelo avanço, forneceu integralmente neste ano as doses de vacina tríplice (difteria, tétano e coqueluche) ao Ministério da Saúde. Também produziu todas as vacinas de difteria e tétano para a campanha de vacinação do idoso. São 34 milhões dessas doses que o instituto vai fornecer em 99.

O Butantan está produzindo, pela primeira vez, 5 milhões de doses de vacinas contra hepatite B.

"O governo chegou a importar essa vacina por US$ 8 a dose. Nós estamos produzindo por menos de US$ 1", diz Isaias Raw, presidente do Butantan. Segundo o ministério, ainda será necessário importar 24 milhões de doses de vacina contra hepatite B para cobrir a demanda deste ano. "Mas vamos aumentando a produção anualmente até ficarmos totalmente auto-suficientes", diz Raw. "O importante é que estamos desenvolvendo a tecnologia." Em 98, o Brasil usou 180 milhões de doses de vacinas e soros produzidos nacionalmente e 99 milhões de doses importadas. Isso significa que o país produziu 65% de sua necessidade -contra 37% em 97.
"Esse índice deve aumentar com as iniciativas dos institutos em criar convênios com produtoras estrangeiras para transferência de tecnologia", afirma Jarbas Barbosa, diretor do Centro Nacional de Epidemiologia do ministério. O laboratório Biomanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, está fechando acordo com um instituto estrangeiro para produzir a vacina HIB (Haemophilus influenza), contra um dos vírus causadores da meningite.
O Butantan também está com uma série de estudos em andamento. Entre as vacinas pesquisadas está uma nova contra raiva (a utilizada hoje é considerada obsoleta), que será testada ainda este ano.
Para o ano que vem, o instituto pretende testar uma vacina contra coqueluche sem os efeitos colaterais da hoje existente (uma em cada 2.000 crianças tem convulsão após a segunda dose e não pode tomar a terceira). Ainda para o ano 2000, espera-se testar a vacina contra meningite B. A utilizada atualmente, de origem cubana, não protege crianças de 0 a 4 anos.

Fonte: Folha de São Paulo - 23 de Abril de 1999


 A produção de vacinas no Brasil
 Caminhamos para a auto-suficiência em vacinas; os problemas são o preconceito e a pressão dos
 vendedores


 ISAIAS RAW

 Em 1985, o Ministério da Saúde analisou soros (antiofídicos e outros) produzidos por institutos oficiais e empresas privadas, constatando que eram, na maioria, impróprios para o uso humano. Lançou o Programa Nacional de Auto-Suficiência, que investiu em vários institutos, visando a produção dos soros (que não podiam ser importados) e das vacinas indispensáveis para o seu programa de imunização.
Esse programa, que tem tido continuidade, mais do que simplesmente garantir a produção de vacinas, desencadeou no Butantan e na Fundação Oswaldo Cruz um esforço de desenvolvimento científico e tecnológico importante, que não ocorreria se não pudéssemos usar a tecnologia para produção.
O nível atingido pelo Butantan já mereceu congratulações da diretoria de vacinas da Organização Mundial da Saúde, segundo a qual o instituto terá uma posição de liderança no século 21. Na crise da qualidade da vacina contra tétano, difteria e coqueluche, o produto do Butantan mostrou uma qualidade maior que a de todos os importados, e a inspeção da OMS reconhece que atingimos os padrões norte-americanos.

Quando iniciamos o desenvolvimento da vacina contra hepatite B, o preço de atacado internacional era de US$ 8 por dose (são necessárias três doses). Hoje, com a entrada do Butantan, a vacina nos é oferecida a US$ 0,80.
O mercado brasileiro é o mais importante do mundo. Pode-se aplicar a vacina contra hepatite B em recém-nascidos, segmento em que a doença é muito grave; seriam cerca de 15 milhões de doses por ano. Poderíamos incluir populações de alto risco, como profissionais da saúde, drogados e hemofílicos, e regiões do Amazonas, do Espírito Santo e de Santa Catarina. Pode-se até pensar em imunizar todos os menores de 14 ou 18 anos; basta desviar toda a verba disponível para esse fim. Isso, claro, cria um mercado de bilhões, que os fabricantes não querem perder.
O mesmo ocorre com hemófilos B, outra vacina eficaz, que pode ser administrada em recém-nascidos ou em metade do Brasil. Florianópolis já pagou US$ 13 por vacinas, mas, para evitar a perda do mercado, já oferecem a US$ 2. Ao ser oferecido o produto pronto, ou pronto para envasar (como ocorre com a vacina antipólio), bloqueiam-se o desenvolvimento e a produção e se garante a dependência, criando uma conta de muitos milhões de dólares.
Enquanto aguardamos o registro da vacina contra hepatite do Butantan (que obedece a todos os requisitos da OMS e tem inocuidade e eficácia provadas, até com meia dose), vacinas importadas da Coréia e de Cuba foram registradas. A vacina contra meningite B de Cuba, apontada em ensaios oficiais da OMS como ineficaz para crianças de menos de 4 anos (entre as quais a doença é mais prevalente e grave), continua registrada e vem sendo adquirida por alguns Estados e municípios.
Apesar da pressão, caminhamos rapidamente para a auto-suficiência. Estamos perto de atingi-la em sarampo. Já a atingimos nas vacinas tríplice e contra tuberculose e raiva. A partir de 1999, podemos produzir 40 milhões de doses de vacina contra hepatite B. Devemos ter novas vacinas contra coqueluche, raiva e rubéola e estaremos testando muitas outras combinações.
Os problemas que estamos enfrentando são o preconceito ("o importado é que é bom") e a pressão dos vendedores. O mesmo ocorre com derivados de sangue: desprezamos o plasma de cerca de 2 milhões de doações e gastamos cerca de R$ 200 milhões por ano, o que daria para equipar sete das três fábricas de processamento de que precisamos. É até possível que tenhamos de enfrentar ataques pessoais, como aquele que "queimou um arquivo" em Brasília, há dois anos, sem que tenham sido apontados os responsáveis.

Isaias Raw, 71, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Fundação Butantan. Foi diretor do Instituto Butantan (1991-97) e professor visitante do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (1971-73) e da Universidade Harvard (1973-74), nos EUA.

Fonte: Folha de São Paulo - 10de Setembro de 1998